09/06/2011
Fios de alta tensão se amontoam em rua de Nova Déli; governo indiano quer investir US$ 400 bilhões em eletricidade
"A fiação está bem ali, é realmente muito fácil de pegar", diz Sikander, de 26 anos, que usa apenas um nome e ganha menos de US$ 2 por dia limpando as orelhas das pessoas nas ruas da capital indiana. "Você precisa ser muito cuidadoso quando chove, porque pode ser eletrocutado se os fios encostarem uns nos outros."
Cerca de um terço dos 174 GW de eletricidade gerados pela Índia anualmente é roubado ou se dissipa nos condutores e equipamentos de transmissão que formam a rede de distribuição de energia do país, segundo informou o secretário de Energia da Índia, P. Uma Shankar. Isso é mais do que em qualquer outro país, segundo um relatório publicado em 2010 por analistas da Deloitte, que estimava as perdas da Índia em 21%. Na China, a taxa foi de 8%.
O roubo de uma quantidade de energia quase suficiente para suprir o Estado da Califórnia, nos EUA, por um ano, diminui a receita anual das companhias distribuidoras de energia da Índia em US$ 16 bilhões e reduz a produção industrial em 1,2%, num país cujo PIB é de US$ 1,3 trilhão, disse a Comissão de Planejamento da Índia.
As perdas prejudicam o esforço de levar eletricidade para cerca de 400 milhões de pessoas e contribui para o que a Autoridade Central de Eletricidade afirma ser uma diferença de 10% no atendimento do pico de demanda por energia.
Agora, o governo está pedindo às empresas, inclusive à Reliance Power e à Tata Power, que administrem uma parcela maior da rede que conecta residências, escritórios e fábricas às subestações. O objetivo, diz Shankar, é cortar pela metade as perdas até 2013, num país onde os apagões deixam os indianos suando às bicas no verão, sob temperaturas de mais de 46ºC.
"O roubo de eletricidade prejudica não só o setor de energia, mas toda a economia indiana", diz Michael Parker, analista da corretora Sanford C. Bernstein , de Hong Kong. "Manter as luzes acesas é fundamental para o crescimento econômico. A incapacidade de fazer prejudica o desempenho."
Subsidiárias da Tata Power e da Reliance Power já reduziram em dois terços a quantidade de energia roubada da rede de distribuição de Nova Déli, que elas administram em conjunto desde 2002. Isso não as tornou lucrativas. A BSES Rajdhani Power, unidade da Reliance Power que atende as zonas oeste e sul da capital, diz que perde US$ 2 milhões por dia por causa do roubo de energia e das baixas tarifas impostas pelo governo.
As ações da Reliance Power, controlada pelo bilionário Anil Ambani, acumulam perda de 25% no ano, em meio a uma investigação de irregularidade num negócio.
A queda de 9,8% da ação da Tata Power no período foi igual à desvalorização do índice referencial de ações da Índia. "Se os conselhos estaduais de eletricidade ou as companhias de distribuição privadas não conseguirem recuperar o dinheiro, o resultado será que elas acabarão dando calote em empréstimos", disse Gopal Saxena, presidente-executivo da BSES Rajdhani. "A credibilidade de todo o setor será posta em dúvida e novos projetos não serão aprovados."
A fiscalização foi reforçada na capital e os "trapaceiros" estão recebendo propostas de anistia se concordarem em instalar novos medidores, mais difíceis de serem violados. Mesmo assim, os "gatos" brigam por espaço nos postes que levam eletricidade para os barracos do bairro de East Patel Nagar, onde Sikander mora, competindo por espaço com o esgoto a céu aberto e pilhas de lixo.
"Numa companhia controlada pelo governo pode haver corrupção, o que interfere na tarefa de reduzir os roubos", uma vez que funcionários aceitam subornos para não delatar os ladrões, diz Shankar, o secretário de Energia. "As companhias privadas tendem a ter uma governança muito melhor e possuem metas bem claras."
Hoje, as comissões estatais de eletricidade distribuem 85% da energia gerada pela Índia, 19 anos depois que a primeira empresa privada, uma subsidiária da extinta Enron, assumiu a distribuição no Estado de Maharashtra, no oeste do país, onde fica a cidade de Mumbai. As redes de distribuição de cidades como Gurgaon, nos arredores de Nova Déli, e Nagpur poderão ser transferidas para companhias privadas no ano que vem.
"O governo indica claramente que a privatização é o único modo de acabar com os prejuízos e levar as empresas a um estágio de viabilidade financeira", diz Saxena.
Empresas como a Lanco Infratech e Torrent Power dizem que pretendem fazer lances pelos contratos de leasing, que as permitirão operar sistemas de distribuição sem a necessidade de comprar terras e infraestrutura. Esse modelo já é usado na cidade de Agra, 200 quilômetros ao sul de Nova Déli.
O primeiro-ministro, Manmohan Singh, está tentando conseguir US$ 400 bilhões em investimentos para o setor energético nos próximos cinco anos, enquanto fixa uma meta de produção adicional de 120 GW até 2017. A Índia não cumpre nenhuma meta anual de aumento da capacidade de produção de energia desde 1951.
A escassez de energia pode prejudicar o crescimento da economia indiana, a terceira maior da Ásia, que segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI) deverá ser de 8,2% em 2011, contra os 10,4% registrados em 2010.
A falta de eletricidade significa que o trabalho de Akbar Basha, 30, fiscal da BSES Rajdhani, que patrulha partes da zona oeste de Nova Déli, é necessário para manter a iluminação e os aparelhos de ar-condicionado em operação.
Basha usa programas de computador que detectam padrões irregulares no uso da energia. "Ninguém admite que está roubando. Há sempre uma desculpa", diz ele. "As pessoas são muito espertas e sempre surgem com novas tecnologias. É um jogo constante de gato e rato."
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