10/08/2011
Grande parte das ações que versam sobre cartões de pagamento é extinta sem julgamento de mérito. Isto porque a maioria delas é proposta contra partes que carecem de titularidade para figurar no polo passivo, muito em razão de não se saber quais são as partes atuantes na indústria de cartões do Brasil, bem como o papel de cada uma delas nessa atividade econômica.
O grande número de ações ajuizadas contra partes ilegítimas contribui para a lentidão do Judiciário, além de não satisfazer o interesse dos autores, pois muitas vezes possuem direitos legítimos que, por questões formais, não são sequer apreciados.
No Brasil, o mercado de cartões possui os seguintes participantes diretos: os proprietários das plataformas (bandeiras), os emissores (administradores, uma instituição financeira), os portadores, os credenciadores (adquirentes) e os estabelecimentos comerciais.
Nas ações envolvendo cartões é comum a confusão entre os agentes desse setor
Nas ações envolvendo cartões de pagamento, é muito comum a confusão entre os diversos agentes desse setor e, por consequência, a ocorrência da ilegitimidade passiva. Na maioria delas, o autor (portador ou estabelecimento comercial), ao enfrentar problemas com a utilização ou com a aceitação de cartão de pagamento, coloca no polo passivo a empresa que detém a bandeira e não o banco emissor ou credenciador, conforme o caso, com quem efetivamente contratou.
Na maioria dos casos, a parte legítima para figurar no polo passivo desse tipo de ação é o banco emissor, responsável pela administração do cartão; ou o credenciador, responsável pela relação com o estabelecimento. Eventualmente, no caso de ações ajuizadas pelo portador, o estabelecimento onde ele adquiriu o produto/serviço também poderá ser responsabilizado.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece (artigos 18 a 20) que o fornecedor do produto/serviço responde solidariamente por qualquer prejuízo causado ao consumidor. O artigo 3º então especifica que o sistema de proteção do consumidor considera como fornecedores todos os que participam da cadeia de fornecimento de produtos/serviços, não importando a sua relação direta ou indireta, contratual ou extracontratual com o consumidor. Ainda, pela chamada Teoria da Aparência, deve ser responsabilizado o fornecedor aparente de produtos e serviços, ou seja, aquele que faz veicular ou se utiliza da informação negocial.
No entanto, embora a Teoria da Aparência diga que a "aparência" desperta a confiança do consumidor e leva à responsabilização pelos eventuais vícios ou defeitos na prestação pela cadeia de fornecimento, é importante que mesmo o fornecedor aparente tenha legitimidade para responder pela causa. Ou seja, é preciso, em primeiro lugar, verificar se ele possui alguma relação com o usuário do cartão. Isto porque, no caso do mercado de cartões, não há como responsabilizar uma parte por um defeito no serviço se ela jamais prestou esse serviço ou manteve contato com o consumidor.
Assim, muitos magistrados vêm concluindo que as empresas portadoras da bandeira do cartão não devem ser responsabilizadas por problemas relacionados a limite de crédito oferecido pelos bancos, cobranças indevidas, encargos, inclusão de dívida em serviços de proteção ao crédito etc. Isto porque elas não são administradoras dos cartões dos quais o portador é o titular, mas sim apenas licenciadoras de suas marcas.
Trata-se de relações jurídicas distintas, como ficou demonstrado no processo julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ): "(...) A marca da empresa, assim, aparece no cartão de crédito, mas a empresa é aquela da origem do cartão. Não se trata de cartão emitido pela própria empresa comercial, mas, tão somente, de cartão de crédito emitido por instituição financeira autorizada que usa a marca da empresa ao lado da sua. Com isso, não há como identificar a legitimidade passiva".
Os magistrados igualmente entendem que a Teoria da Aparência não se aplica a esse tipo de situação, já que as empresas não pertencem ao mesmo conglomerado econômico. Este parece ser realmente o entendimento mais adequado, pois as normas e princípios do CDC não legitimam o reconhecimento de um liame consumerista onde não existe sequer relação jurídica.
Delimitadas as responsabilidades, é possível verificar que as empresas que detêm as bandeiras dos cartões apenas desenvolvem e fornecem a tecnologia que permite que o pagamento seja feito por meio de um cartão e, assim, não devem figurar no polo passivo de ações que versem sobre esse assunto. É fundamental que o consumidor tenha conhecimento sobre quem são os responsáveis pelos produtos e serviços que lhes são oferecidos e para quem ele deve reivindicar seus direitos.
Leonor Cordovill é professora de direito do consumidor da GVLaw; sócia do escritório Grinberg, Cordovil e Barros Advogados. coordenadora da revista do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito da Concorrência, Consumidor e Comércio Internacional (Ibrac)
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.
http://www.valoronline.com.br/impresso/legislacao-tributos/106/470049/acoes-judiciais-sobre-cartao-de-credito
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