Ao se pesquisar a respeito da
responsabilidade do Estado por danos advindos de atos de vandalismo,
principalmente para esses episódios previsíveis de incendiamento de ônibus,
percebe-se que além de serem eventos repetitivos, muitos deles são anunciados previamente.
O questionamento que se levanta é quanto à caracterização ou não de uma
responsabilidade objetiva do Estado para seus atos omissivos.
Realmente, há boa parte da
doutrina e da jurisprudência inclinada para o desiderato de que o Estado
somente responde em casos de apuração de sua culpa subjetiva, vale dizer, que
seus agentes tenham concorrido efetivamente para a ocorrência do dano. Por
outro lado, as companhias seguradoras recusam-se a garantir os danos causados
dessa forma.
Há um acórdão do
Supremo Tribunal Federal em que se decidiu que o Município do Rio de Janeiro
omitiu-se especificamente no seu dever de garantir a incolumidade física de
alunos de sua rede pública de ensino, a partir de quando os mesmos ingressavam
no recinto escolar. Na ocasião, condenou a Municipalidade a ressarcir prejuízos
decorrentes de ferimento que cegou um aluno, provocado por seus colegas,
durante o horário escolar e dentro do estabelecimento de ensino público. No seu
voto o Ministro CELSO DE MELLO disse: “As circunstâncias do presente caso –
apoiadas em pressupostos fáticos soberanamente reconhecidos pelo Tribunal a quo
– evidenciam que o nexo de causalidade material restou plenamente configurado
em face do comportamento omissivo em que incidiu o agente do Poder Público
(funcionário escolar), que se absteve de adotar as providências reparatórias
que a situação estava a exigir. Na realidade consta nos autos que, por
incompreensível omissão administrativa, não só deixou de ser solicitado e
prestado imediato socorro médico à vítima, mas, também, absteve-se a própria
administração escolar de notificar os pais da aluna atingida, com a urgência
que o caso requeria.” (os grifos
são nossos). Perceba-se que o julgado concluiu pela
responsabilidade municipal fulcrado na obrigação que os agentes públicos tinham
de proteger a incolumidade física dos estudantes. O descumprimento desse dever
é que constituiu a chamada omissão
específica, que deu ensejo à obrigação de indenizar pelo critério objetivo.
Por isso que, naquela oportunidade, a inércia da Administração foi causa direta
e imediata do não impedimento do evento. Isso leva à conclusão que o ponto
frágil para essa responsabilização do Estado está em que, no caso dos ônibus,
não há uma vigilância específica pela segurança dos mesmos e que, se houvesse,
geraria a responsabilidade objetiva do Estado. Conclui-se, portanto, que não
basta uma obrigação em termos de segurança pública de toda a comunidade, mas
uma obrigação especifica para se fugir da responsabilidade subjetiva. Boa parte
da doutrina parte das premissas que o Estado tem o dever constitucional de
manter a ordem e a segurança públicas diante desses episódios previsíveis
(porque repetitivos)e, ipso facto,
poderia se imputar a ele a responsabilidade objetiva reclamada no ato omissivo
de não dar a ordem e a segurança especificas para os concessionários de
transporte urbano, serviço esse essencial à comunidade. Há uma corrente, ainda,
que incorpora o fundamento da responsabilidade estatal objetiva no “princípio da solidariedade social e da
igualdade de encargos”, pelo qual “a
responsabilidade do Estado será sempre objetiva, qualquer que seja a natureza
da conduta (comissiva ou omissiva), de seus agentes”. A vingar esse
entendimento, bastaria ao permissionário somente fazer a prova do dano, da
conduta danosa do Estado e do nexo de causalidade para se ver ressarcido dos
prejuízos suportados. Ainda segundo esse entendimento, o Estado para
elidir tal responsabilidade, teria que fazer prova que o dano foi ocasionado
por força maior, caso fortuito, estado de necessidade ou culpa exclusiva da
vítima ou de terceiro – o que efetivamente não se dá. Diante disso, parece-nos
plausível a possibilidade de os concessionários/permissionários de transporte
urbano fazerem uma notificação premonitória ao Estado, via Secretaria de
Segurança ou de Transportes, para apontar as linhas que estão mais afetas aos
atos de vandalismo, solicitando especificamente a vigilância de carros patrulha
armados, numa tentativa de – se ocorrer o dano, caracterizar a culpa especifica
do Estado e, portanto, sua responsabilidade objetiva.
SARITA VON ZUBEN BARACCAT é
advogada, responsável pelo Núcleo de Transportes Públicos da RMO-ADVOGADOS
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